Um conto de gratidão

O chão que cercava a pequena casa era de terra, tão fininha que cobria de poeira vermelha as esquadrias da janela sempre que o vento soprava.

Ao longe podia-se ver o gado, eram poucos, criação de algum vizinho e as vezes vinham para comer o lixo. Certa vez um deles chegou tão perto da porta de entrada, que a moça coitada, não sabia como fazer para expulsá-lo dali, batia o pé e um pano de prato ao vento, pegou uma vassoura mas ele continuava ali, olhando indiferente e mascando sabe-se lá o que sem parar, as vezes ela tinha a impressão de que ele poderia atacar e voltava para dentro fechando a porta bruscamente.

Quantas vezes repetiu isso de bater o pé, o pano de prato e correr para dentro, não saberia dizer mas por fim fez o que toda moça criada na cidade, no conforto de um lar de uma família classe média faria; ligou para seus pais!

Quando sua mãe chegou porém; depois de ter passado também o seus apuros de conduzir o veículo sozinha pela rodovia por 15 minutos e dividir a estrada com caminhões em alta velocidade; tudo já havia se resolvido sozinho. Talvez não fosse mesmo um dia bom para as duas.

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O tempo lá passava diferente e nada roubava o tempo de nada, cada coisa tinha o seu próprio tempo e nunca houve no tempo da moça um atraso sequer.

De manhã os pássaros cantavam bonito mas só depois do galo, acordar assim nessa cantoria era do que a moça mais gostava.

Disseram que não havia ali pelas redondezas moça mais afortunada, e ela se sentia mesmo assim, desde que vira descendo a rua aqueles que seriam mais tarde seus vizinhos, carregando à mão, cada um o seu, o assento da latrina. Um deles apertou o assento no peito com tanta força que a moça desejou ter um dia seu próprio assento. Era que a prefeitura da cidade dava os assentos como brinde para todos os sorteados das casinhas e ter o assento ali apertado junto ao peito era sinal de muita sorte!

Não demorou nada e a moça tinha agora o seu próprio assento e nem quis esperar a companhia de luz ligar a força, entrou na casinha à luz de velas e sorria de tão feliz que estava ali no escuro entre as chamas delicadas.

Nunca foi muito boa em esperar a moça, gostava mesmo era de viver logo de uma vez as coisas!

Tudo lá era muito simples mas cada vasinho de planta era cuidadosamente colocado e no varal as roupas voavam em degradê, era um capricho!

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Aos Domingos a cozinha cheirava pão porque a moça gostava de testar receitas e enquanto amassava a receita, a criança brincava, hora falando baixinho, hora gritando com as bonecas no chão ao pé da mesa.

A moça se distraía entre a farinha e os ovos enquanto admirava a cortina feita por ela, parte à mão, parte à máquina de costura, de poppeline xadrez azul e branca, amarradas às argolinhas de mogno uma a uma, com lacinhos delicados de fita de cetim branca. Disseram que quem chegasse lá na casa o dia que fosse, a cortina cheirava à amaciante.

Foi uma alegria quando chegaram os tijolinhos que cercariam a casa, certamente o gado não comeria mais o seu lixo e nem teria mais que ligar para sua mãe vir espantar a vaca.

Algum tempo depois chumbaram um portão ao muro e também um azulejo pintando à mão com o número 880; presente da mãe da moça que tinha agora a casa mais bonita e segura daquelas redondezas.

A moça achava que sua casa era seu castelo e todo dia ao sair para o trabalho beijava a parede ou a porta da casa como que agradecendo, ela não podia evitar!

Muitos anos já se passaram desde que a moça foi morar na cidade grande mas ouvi dizer que ela beija as suas portas até hoje…

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